Controlador Geral de Disciplina fala ao “O Povo” sobre atuação da CGD.

8 de abril de 2014 - 09:04

Entrevistado pelo jornalista Claudio Ribeiro do Jornal O Povo, Santiago Amaral Fernandes fala sobre a importância do trabalho da Controladoria Geral de Disciplina no combate ao corporativismo, à corrupção e à violência policial. A entrevista foi veiculada no domingo, dia 06.04.2014.

Para investigar e punir os maus policiais no Ceará, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) tem 177 servidores, dos quais 122 vindos da própria área que fiscalizam. O ideal seriam 300, equivalente a 1% do efetivo da segurança pública.
É pouco, diante do universo de tantos crimes e transgressões cometidas por quem deveria proteger. O abuso de autoridade é o mais comum dos casos, segundo o delegado federal Santiago Fernandes, 47, chefe da CGD.

Nesta entrevista, ele explica o que é o trabalho da Controladoria, prestes a completar três anos, num funcionamento pioneiro no País. Santiago diz que é um trabalho estigmatizado e que duela com o corporativismo, mas que já é mais compreendido. “As pessoas se sentem mais encorajadas em denunciar.
 
O POVO  O que faz o Controlador?
Santiago Fernandes  Toma conhecimento de denúncias, determina instauração de investigações preliminares, de sindicâncias, de processos administrativos disciplinares. Julga esses processos, gerencia a área administrativa. Tem uma equipe pra isso, uma secretaria executiva, um adjunto, uma assessoria jurídica, coordenação financeira. Você tem comissões militares, comissões civis, grupo tático… Tem que tomar conhecimento de todas as necessidades de sua área, seja na fiscalização, correição de unidades, dos policiais em campo. Ter contato estreito com as secretarias da Justiça e da Segurança Pública, com o comando da PM e com o delegado geral da Polícia Civil. Com o diretor da Pefoce [Perícia Forense do Ceará].

OP  (Santiago comenta como medir a especificidade da atuação da CGD) A medição do trabalho da CGD é pela punição. É diferente.
Santiago  Vou dar exemplo: quantos turistas visitaram o Ceará, quantos foram beneficiados por um hospital? Essa é uma atividade muito difícil de mensurar a atuação. Quantas pessoas foram beneficiadas pela ação da CGD? Não se mensura. É uma missão desgastante, desagradável, mas é necessária. O policial, que ao final de um processo você reconhece que a conduta dele está justificada, ou pelo estrito cumprimento do dever legal ou pela legítima defesa, isso não dá ibope. É uma missão estigmatizante, antipática. Porque é de controle, de fiscalização, de investigação. É uma missão que ataca o corporativismo.

OP  Por outro lado, combate-se a corrupção, o mau policial…
Santiago  Todo mundo quer que a maçã podre seja retirada do cesto, mas ninguém quer por a mão lá. Uso a expressão “todo mundo quer ir pro céu, mas ninguém quer morrer. As pessoas querem que as coisas aconteçam, mas não querem dar sua parcela de contribuição. É extremamente importante o trabalho de uma corregedoria atuante, que não persiga nem favoreça. Quem estiver trabalhando corretamente, nós somos parceiros.

OP  O policial que não é da Controladoria entende isso?
Santiago  Entende, mas ele sempre vai reconhecer o trabalho do colega que está aqui só no privado. Em público, ele não quer se posicionar. Isso ainda reflete uma mentalidade de corporativismo pejorativo, aético. Mas isso não é apenas da instituição policial. Ainda faz parte da nossa sociedade. O jornalista é corporativista, o médico, o advogado…

OP  Boa parte da sociedade ainda acha que ser honesto…
Santiago  É ser otário. É isso. É você ter conhecimento dos desvios do teu colega, você não participar, mas não denunciar. Para não se prejudicar, não se envolver e não ficar mal visto. A mentalidade é assim, de que o delator é como um traidor. Existe em qualquer regime disciplinar. Ter conhecimento de falta disciplinar e não levar ao conhecimento dos seus superiores é uma transgressão disciplinar.
 
OP  É estranho falar disso sobre agentes que deveriam aplicar a lei.
Santiago  A nomenclatura Controladoria já foi pra dar uma ideia diferente de corregedoria. Não era necessário que se mudasse o nome, mas tem o efeito pedagógico. Foi pra dizer que esse modelo é independente, autônomo, busca a imparcialidade. E o status de secretaria. É para permitir maior isenção, liberdade. Tem sido uma experiência estimulante, motivadora, exercer o papel de juiz sem receber influências para favorecer ou prejudicar. Poder agir com legalidade, senso de justiça – pressão sempre existe -, sem interferência.

OP  Nunca se expulsou tantos policiais no Ceará. Foram 38 em 2010, 61 em 2011, 39 em 2012 e 73 em 2013. Por que esses números?
Santiago  As apurações são possivelmente mais bem feitas. Há maior isenção. Num ambiente de interferência, pessoas poderiam ser beneficiadas e não estão sendo. Há maior liberdade e independência para atuar e maior celeridade e qualidade nas apurações. O trabalho foi qualificado. O problema é que às vezes um trabalho mal feito, por falta de competência técnica ou propositadamente, gera nulidade no Judiciário.

OP  E isso acontecia?
Santiago  Não posso dizer que havia porque não conheço a realidade anterior. Posso dizer que um trabalho investigativo e de apuração que não seja qualificado, que não observe a ampla defesa e o devido processo legal, que não colete bem a prova, e que não decida de acordo com as provas obtidas, é um trabalho que será atacado judicialmente.

OP  De modo geral, a população sabe de fato o que é o trabalho da Controladoria?
Santiago  Nós tivemos em 2011 um número X de denúncias presenciais aqui na Controladoria. Em 2012 esse número aumentou muito. A CGD surgiu em meados de 2011. [Foram 381 denúncias presenciais em 2012 e 483 em 2013]. Para mim, quer dizer que as pessoas se sentiram mais estimuladas, mais encorajadas em denunciar. Porque denunciar um policial é diferente de denunciar um médico. Você naturalmente tem medo da retaliação e da denúncia cair no vazio, pelo corporativismo. No mínimo, cair no vazio e você ter perdido seu tempo e se desgastar mais ainda. O outro é você colher o prejuízo maior ainda, resultado da denúncia que fez, por ter sido vítima de violência ou corrupção. 
 
OP  Quando o controlador anterior assumiu, o atual secretário da Segurança Pública Servilho Paiva, havia 5 mil denúncias na CGD a serem apuradas. E hoje?
Santiago  Deve haver umas 2 mil denúncias. Tenho o número de processados [em procedimentos concluídos, foram 252 em 2012 e 474 em 2013]. Antes existia uma corregedoria que não punia. Sugeria, não tinha poder punitivo. Existia uma sindicância investigativa. Para você ter ideia, arquivei um caso agora ocorrido em 2002. Estamos em 2014. Como um caso, que era uma suspeita de homicídio, fica tanto tempo sem resposta? Seja pela punição ou pelo arquivamento, por insuficiência de provas, mas que traga um resultado. Nós temos um trabalho independente do Judiciário. Não podemos tornar nossos processos intermináveis. Vai gerar o mesmo questionamento que se faz ao Judiciário.

OP  Quais são os prazos na CGD?
Santiago  Não temos prazos legais, criamos prazos para balizar um procedimento. Um processo administrativo disciplinar (PAD), que tenha no máximo 120 dias, mas a gente vê caso a caso.

OP  Quais é o caso mais registrado na Controladoria?
Santiago  É o abuso de autoridade. Ele vem na forma de uma agressão física, ameaça, agressão verbal. Principalmente o abuso de poder, lesão corporal, porque é o tipo de delito mais frequente em quem está no corpo a corpo com a população. Na atividade ostensiva, a PM trabalhando na rua, fazendo abordagens, atendendo ocorrências. E principalmente se está atuando em áreas violentas, em que há uma carência de cidadania.

OP  O que a CGD ajuda a corrigir nesse procedimento policial?
Santiago  A CGD se propõe a quebrar um paradigma, o do corporativismo, da conivência com o desvio de conduta de um policial. Na medida em que você apura e pune, dá uma resposta à sociedade e às organizações. Se o policial internaliza que se ele tiver uma conduta desviada será punido, possivelmente a gente vai prevenir as transgressões. Vai prevenir que os maus policiais se tornem bandidos dentro da Polícia. Vamos retirá-los das organizações policiais, afastá-los. Não somos palmatória do mundo, não vamos consertar o vício das polícias. Vamos contribuir para aperfeiçoar a questão disciplinar nas polícias.
 
Serviço
Para denunciar: A CGD funciona na avenida Pessoa Anta, nº 69 Praia de Iracema.
Fone: 3101 5033.
Multimídia: Leia a íntegra em www.opovo.com.br
 
ENTENDA A DIFERENÇA

Como é hoje:
A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário, criada em junho de 2011, tem status e autonomia de secretaria. Pode instaurar processos, julgar e punir servidores submetidos a procedimentos disciplinares civis e militares. É o controlador quem julga os processos da CGD e os remete ao governador. Podem ser processados policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários. Como era: A extinta Corregedoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública era vinculada à Secretaria da Segurança Pública. Não tinha poder de punir, apenas sugerir punições, mesmo depois de ela conduzir todo o processo disciplinar. Os casos mais graves envolvendo PMs e bombeiros seguiam para o Comando da corporação. Se envolvessem policial civil ou perito, iam para a Procuradoria de Processo Administrativo Disciplinar. A Corregedoria não investigava agentes penitenciários.